Reformismo, ruptura e continuidade são as palavras-chave para o debate, defendem teólogos portugueses. Os caminhos seguidos desde o Concílio Vaticano II (1962-1965), que mudou o rosto da Igreja no século passado, estão em debate no encontro anual de Bento XVI com os seus antigos alunos, o chamado “Ratzinger Schülekreis”. De 27 a 30 de Agosto, em Castel Gandolfo, nos arredores de Roma, 40 participantes discutem a necessidade de continuidade e de ruptura com os ensinamentos deste encontro conciliar, que reuniu mais de 2000 prelados de todo o mundo.
Em declarações à Agência ECCLESIA, o padre Henrique Noronha Galvão, antigo aluno de Bento XVI e presença habitual nestes encontros - retido em Portugal por motivos de saúde -, revelou que as conferências vão focar-se na interpretação do Concílio e na reforma litúrgica. O primeiro dia vai ser reservado ao debate entre os participantes, enquanto que para 28 de Agosto está agendada a discussão teológica com o Papa.
“Costumo dizer que Jesus Cristo tem direitos de autor sobre a Igreja, pelo que esta não é uma associação que a dada altura possa rever os estatutos e recriar tudo a partir de nada”, salienta o professor jubilado da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa. Frei José Nunes, também docente naquela escola, considera que Bento XVI se situa numa “linha reformista” relativamente às intuições conciliares: “Ele pensa e sente que o Vaticano II ainda tem as suas virtualidades, e portanto há que o explorar”. Entre os católicos, explica, distinguem-se pelo menos três perspectivas face às conclusões do Concílio: a corrente “restauracionista” defende o regresso da Igreja ao período anterior ao Vaticano II, enquanto que no outro extremo há quem pretenda ultrapassar a letra dos seus textos.
Segundo Fr. José Nunes, o Papa optou pela via “reformista”, “a mais aceite pela generalidade dos cristãos”, advogando a aceitação do Vaticano II com uma “cautela” talvez excessiva: “Penso que em alguns aspectos a Igreja haveria de ser um pouco mais ousada”, sobretudo “no diálogo com o mundo” e na “organização intra-eclesial”. Depois de recordar que o Papa “foi um homem do Concílio”, o teólogo Juan Ambrosio sustenta, por seu lado, que é “urgentíssimo revisitar o Vaticano II”, extraindo todas as suas consequências ao nível da comunhão, inserção no mundo e participação na construção da História.“Há grandes intuições que é preciso revisitar, levando-as para diante e não para trás, para antes do Concílio”, frisa o professor da Faculdade de Teologia da UCP. Juan Ambrosio não preconiza a abertura de um novo concílio à imagem do Vaticano II, com uma assembleia fechada e reunida ao longo de vários anos, mas pensa que a Igreja deve aderir a uma dinâmica semelhante à dos sínodos dos bispos, que, diferentemente destes, abranja todos os fiéis. “Teríamos de ter a coragem de que o governo da Igreja não fosse executado apenas pela hierarquia. Teríamos que ensaiar caminhos com outras formas de participação que não fossem meramente colaborativas, mas que dessem protagonismo a outras sensibilidades”, realça o docente.
Ao olhar para a realidade nacional, Juan Ambrosio diz que a Igreja tem “muito caminho a fazer” para se tornar “mais madura e interventiva”, correspondendo deste modo a uma das principais orientações conciliares. Para o Frei José Nunes, a Igreja deveria “ser simples ao ponto de fazer experiências”, que posteriormente “seriam avaliadas”, aceitando-se a possibilidade de recusar essas tentativas ou de proceder a remodelações nas estruturas eclesiais, caso elas fossem bem sucedidas. “Não devemos ter medo de aceitar que na vida pastoral também caminhamos por experimentação. Essa perspectiva dá logo uma grande liberdade e tira o carácter de perigosidade de alguma medida que fosse errada”, conclui Frei José Nunes.
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